domingo, 22 de julho de 2012




Turbulência nos Andes – Aconcágua

Estamos em 13 de agosto de 1969, manhã linda com céu azul em toda a América do Sul. Os aviões decolando do aeroporto do Galeão ( Rio de Janeiro) para os mais diferentes lugares do mundo. Decolei às 9 h com o Boeing 707 PP-VJA Intercontinental da VARIG, com 4 turbinas Rolls Royce rumo a Santiago do Chile com escala intermediária em Buenos Aires, Argentina. Estava previsto bom tempo sem nuvens em todo o trecho, e não se perdeu tempo em análises minuciosas como de costume. Os Dovs – planejadores de voo – haviam preparado o plano de voo para Buenos Aires, prevendo um tempo calculado em 2h05m na altitude de 33.000 pés, que são na prática 10.000 m de altitude. Na sala de operações toma-se conhecimento do número de passageiros, quantidade de combustível para efetuar o trecho e quanto será gasto até o pouso, mais combustível de reserva para eventual alternativa (quando necessário).

 boletim meteorológico na capital argentina não poderia ser melhor, visibilidade ilimitada ou cavou, ventos fracos na direção de 100 graus, com velocidade de 5 knots. Pressão atmosférica de 1.18 milibares. No voo estava previsto viajar 108 passageiros e 14 tripulantes, perfazendo um total de 122 pessoas. Como passageiro conhecido estava o cantor negro Blackout, viajando na primeira classe até Santiago do Chile.

Decolei do Galeão na pista 14, que tem a direção do Pão de Açúcar, num dia lindo, sem uma nuvem no céu. Contornei o morro tomando rumo sul, dando aos passageiros uma linda vista das praias do Leme, Copacabana, Leblon e Pedra Dois Irmãos. Não posso deixar de relatar a satisfação dos passageiros em terem tido esta oportunidade deste panorama magnífico. A subida até o nível de cruzeiro foi normal, estabilizando o voo em 33.00 pés. A temperatura externa nessa altitude era de 51 graus centígrados abaixo de zero. Sobrevoamos Florianópolis avisando pelo som da cabine aos passageiros que se movimentavam para apreciar a bela costa de Santa Catarina. Ao deixar a cabine e circular pela primeira classe, Blackout me falou que nunca tinha visto panorama mais lindo com tanto mar azul. No sobrevoo de Porto Alegre, repeti o speech para os passageiros, dando detalhes sobre o voo e a vista da Capital dos Pampas. Após foi servido serviço de bordo, como de praxe - uísque, vinhos e todo o tipo de bebidas e sucos. A VARIG sempre primou por serviço de bordo exemplar, o que nos dava uma posição de décima segunda companhia do mundo em qualidade – que na década de 80 viria a ser a primeira - segurança, desvelo pelo passageiro. A chegada e pouso em Buenos Aires foi feita como estava previsto.


Desembarcaram ao todo 32 passageiros, mas entraram 40 com destino a Santiago. Até aqui tudo em ordem com novo plano de voo para o destino, com altura prevista para 33.000 pés e 1h10min de voo. Continuava o tempo meteorológico de “brigadeiro” - céu todo azul – assim como estava previsto. Na decolagem para Santiago havia a bordo 116 passageiros e 14 tripulantes, o que perfazia um total de 130 pessoas. O Boeing 707 PPVJA foi o primeiro avião quadrimotor que a VARIG recebeu, iniciando linhas para Nova York sem escalas, foi a espinha dorsal da era dos jatos quadrimotores, talvez o mais robusto usado pelas diferentes companhias aéreas.

Prosseguindo nosso voo para Santiago, sem novidades, voávamos a Mach 82* serenos, até que, uns 10 min. ao largo do vulcão extinto Aconcágua, observei que em torno do pico da montanha havia uma coroa de nuvens esquisitas, que me levaram de imediato a ligar o aviso de amarrar cintos nas cabines. Confesso que, em todos os anos de voo não tinha visto nada igual. Era uma coroa imitando um gigantesco anel envolvendo a montanha, ficando só o pico à mostra, aos 6.080 m de altura em relação ao nível do mar.

Do Rio de Janeiro até então o voo havia sido sereno sem nenhuma turbulência, completamente tranquilo. Então deparei-me numa situação inusitada, difícil de ser entendida. Estávamos a 10.000 metros de altitude. Ordenei imediatamente a suspensão do serviço de comissaria e dei ordem para que todos os passageiros fossem sentados e amarrados nos respectivos cintos de segurança. Essa atitude se mostrou certa, pois não levou mais de 2 minutos até que o avião começasse a vibrar. Gente desamarrada a bordo em turbulência é um perigo ! No banheiro dos fundos do avião, havia uma pessoa que os comissários não conseguiram tirar depois de baterem na porta avisando que tinha que sair para sentar em sua poltrona. Estava numa situação de tanto aperto que só exclamava “Yo no puedo”. O comissário veio correndo para me avisar, e disse: ''Seja o que Deus quiser, pois não tenho tempo para mais nada!''

Então, começou uma turbulência tão violenta que o piloto automático desligou e só restaram comandos manuais no volante e pedais para controlar a direção e altitude do avião. O impacto do vento nesta altitude chegava provocar um ruído tão forte como se estivéssemos numa jaula de animais ferozes, sendo acuados pelo domador, o climb indicava, às vezes, 3.000 pés de subida, e logo invertia 3.500 pés descendo. O velocímetro, às vezes, marcava Mach 88, parecendo que o avião ia estolar – perder a sustentação. Realmente em 25 anos de aviação nunca tinha passado por situação parecida. A duras penas conseguia manter o avião sob controle. O que também mais me preocupava é que nessas extremas circunstâncias poderia acontecer uma quebra de asa ou de cauda por fadiga de material, pois o PP-VJA, nessa época estava com 35.000 horas de voo - era o Boeing mais voado do mundo.

A seguir, disse ao meu primeiro oficial, que não tinha condições de prosseguir o voo e que faria 180 graus para voltar rumo inverso ao que estávamos voando, já que o que estava pela frente poderia ainda ser pior. Esse foram os 6 minutos mais críticos de voo que jamais havia presenciado. Num momento desses tudo passa pela cabeça. Lembrei do Boeing 707 da antiga companhia BOAC que um ano antes, estava sobrevoando o Monte Fuji, em Tóquio e uma turbulência fora do comum quebrou a cauda do avião resultando na morte de 180 pessoas. Quando saímos da área do jet stream, e o voo voltou para a calmaria, jamais poderia imaginar como estava o nosso avião. As portas dos fogões estavam abertas e tudo no chão da galley da cozinha, eram pratos, louças, copos, garrafas – nada de quebrar ficou inteiro.

Ainda bem que os passageiros e tripulantes estavam em suas poltronas, amarrados. Fiquei apreensivo com o nosso passageiro “Yo no puedo” que havia ficado no WC traseira - ele se salvou devido ao local ser diminuto e ter se agarrado com unhas e dentes na parede. Mesmo assim bateu com a cabeça no teto, fincou o pé na abertura da descarga do WC, o que causou quebra do calcanhar direito. Gritos dos passageiros eram ouvidos na cabine, mas os comissários de bordo se mantiveram firmes. O cantor negro Blackout saiu do avião cinza, tamanho foi o susto! Inacreditável, simplesmente. Quando acalmou a turbulência passados 6 minutos, tentamos ligar o piloto automático novamente, mas meus braços estavam duros de cãibra, tamanha concentração e esforço que tive que fazer.

Fiz depois desvio de rota para me aproximar e pousar em Santiago do Chile, finalizando o voo. Na saída do desembarque do avião, muitos passageiros foram me abraçar na cabine do comando, me felicitando por todos estarem salvos e em terra firme.

A seguir, requisitei 2 engenheiros de manutenção da Lufthansa que estavam se serviço no aeroporto para examinarem – levaram 3 horas - todos os pontos críticos do avião e de acordo com a recomendação da fábrica Boeing. No voo de regresso para o Rio de Janeiro, depois do pouso o avião ficou 15 dias para reparo de manutenção. Na fita da caixa preta do avião ficaram registrados os parâmetros que chegaram a bater no máximo que o avião pode aguentar.

Mais tarde, tive uma entrevista com nosso então presidente da VARIG, sr. Erik de Carvalho, em seu gabinete no Rio de Janeiro, que quis saber dos detalhes do acontecido, ficando satisfeito com o desfecho do caso. Mas, disse-lhe que não aceitaria um cheque de US$ 100.000 para passar pela mesma situação.

*Mach 2 - é duas vezes a velocidade do som. A velocidade do som no ar é de 340 m/s (1224 km/h).

domingo, 1 de junho de 2008

Primeiros jatos


Boeing 707 - quem são os "artistas" ? na ponta direita está o Comandante Binz